A intenção do governo de liberar saques de contas do FGTS já leva comércio e indústria a rever planos e pode funcionar como uma injeção de ânimo. A medida, que ainda passa por ajustes no Ministério da Economia e deve ser anunciada nesta semana, vem logo após a aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno na Câmara , que contribuiu para melhorar a disposição do empresariado. Com mais dinheiro nas mãos, a tendência é que brasileiros quitem dívidas para voltar a gastar e consumir mais. Neste cenário, já há empresas revendo demissões, desengavetando projetos de expansão e ampliando estoques.
A estimativa é que o montante injetado na economia chegue a R$ 30 bilhões , sem contar a liberação do PIS/Pasep, de cerca de R$ 20 bilhões. As iniciativas podem ajudar o governo de Jair Bolsonaro a encerrar 2019 com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) um pouco maior do que o 0,81% previsto até agora. Além disso, contribui para impulsionar a economia no segundo ano de mandato, tirando o país do ritmo de expansão na faixa de 1% registrado nos últimos anos.
— É uma resposta à crítica sobre o país não ter uma agenda de crescimento. A medida vem a se somar à abertura do mercado de gás e à agenda de privatizações e concessões — avalia o economista-chefe do Banco ABC, Luis Otávio Leal.
Em 2017, o saque de contas inativas do FGTS começou em março e impulsionou o consumo das famílias, que cresceu 1,18% no segundo trimestre e 1,05% no terceiro trimestre. Desde então, estes patamares não voltaram a ser alcançados, ressalta Leal. Mesmo quem usou os recursos extras para pagar dívidas teve o orçamento aliviado para consumir mais e o nome limpo para voltar ao crédito. A expectativa é que o efeito se repita este ano.
Ânimo com fim de ano
O presidente da Associação Comercial de São Paulo, Alfredo Cotait, avalia que a liberação de recursos será crucial para alavancar vendas e pode ter impacto de até 0,5 ponto percentual no PIB deste ano.
O anúncio serviu como um alento na Frescatto, fábrica de pescados em Duque de Caxias com cerca de 400 funcionários. A empresa decidiu suspender as demissões previstas para o segundo semestre. — Estávamos prestes a cortar custos, com redução de pessoal. Agora, esse cenário mudou — afirma Thiago de Luca, diretor-geral da empresa, que já não trata mais 2019 como ano perdido.
Na Limppano, fábrica de produtos de limpeza, a previsão é que a alta do consumo se concentre em 2020, com melhora pontual neste ano. — Havia a expectativa de que a aprovação da reforma da Previdência aconteceria mais rapidamente. Por isso, 2019 será um ano difícil. Estamos com o pé no chão. Estamos olhando já para 2020, quando podemos crescer entre 13% e 15% — diz Alex Buchhein, diretor-geral da empresa, que passa por uma ampliação.
Nas Lojas Cem, rede de móveis e eletrodomésticos com 267 unidades, a expectativa é de impacto positivo. — Com base na experiência passada, pode haver uma alta de 10% no nosso faturamento — diz o supervisor-geral da rede, José Domingos Alves.
José Jorge do Nascimento, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), ainda não fez as contas, mas vê oportunidade de as vendas crescerem a um ritmo maior que o do ano passado: — No primeiro momento, o consumidor paga suas dívidas, mas, no segundo momento, ele parte para o consumo.
O Grupo Soma, dono das grifes Farm e Animale, já revisa seu planejamento. A previsão de abertura este ano de seis lojas da Foxton, outra marca do grupo, pode subir para 20 em 2020 se o impulso se confirmar. Para a Farm, que vai abrir três novas lojas em 2019, a intenção é retomar em 2020 o ritmo de crescimento anterior à crise, com a abertura de dez novos espaços por ano.
— A injeção de recursos vai reduzir a crise de confiança, apesar dos juros baixos. Esse cenário, com a reforma da Previdência, vai destravar a economia — aposta Marcello Bastos, cofundador do grupo. Com 18 lojas de material de construção na Grande São Paulo, a Village costuma concentrar quase 60% das vendas no segundo semestre. Por isso, o proprietário da rede, Marcos Atchabaian, acredita que o dinheiro do FGTS pode dar um fôlego extra:
— Em 2017, o FGTS aumentou nossas vendas. Muita gente pagou dívidas, limpou o nome e voltou a tomar crédito para construir. No segundo semestre, as pessoas começam a reformar a casa para ter a casa bonita no Natal. Com o 13º salário e um reforço do FGTS, o varejo de material de construção se beneficia.
Efeito rápido na economia
O supermercado Farinha Pura, na Zona Sul do Rio, está refazendo sua estratégia para o fim do ano com a perspectiva de reforço no bolso dos consumidores para a compra de produtos de maior valor. A empresa, diz a sócia Licia Vidigal, pretende aumentar a oferta de produtos para o Natal: — Com a melhora aguardada para o curto prazo, esperamos alta de 10% a 15% no fim de ano. Antes, a expectativa era de estabilidade.
As Casas Pedro planejam reforçar em 15% o estoque de produtos para o Natal, como castanhas e nozes. Felipe Mussalem, diretor da empresa, diz que o dinheiro do FGTS permite aumentar o consumo de itens não essenciais e vê espaço para alta de até 12%.
Na rede Unno, que reúne marcas de supermercados como o SuperPrix e Campeão, a expectativa era repetir o desempenho do ano passado, mas a previsão foi revista para uma alta de 15% nas vendas: — O consumo reage rápido a esse tipo de notícia — diz Viviane Areal, diretora da rede.
Synésio Batista da Costa, presidente da Abrinq, de fabricantes de brinquedos, lembra que da última vez que o saque do FGTS foi liberado, o setor avançou 11% nas vendas do ano. Desta vez, pode fazer diferença nas compras de Natal, já que não houve melhora significativa no nível de empregos.
Entre os fornecedores do varejo, começa a despontar algum otimismo. Para Maurício Godinho, diretor comercial da GIC, que fornece soluções para a gestão de estoques de supermercados, há uma aceleração dos investimentos em tecnologia do setor, sinal de antecipação das previsões de retomada da economia.
Para economistas, a liberação do FGTS por si só não tem força para devolver um crescimento sustentável ao país. Guilherme Dietze, assessor econômico da Fecomércio-SP, adverte que o governo precisa restabelecer a confiança dos empresários para voltar a investir, o que reduziria o desemprego e aumentaria a disposição para compras.
Sergio Vale, economista da MB Associados, avalia que a liberação do FGTS ajuda politicamente o governo: — Como o foco nas reformas pode parecer impopular, o governo está ávido por entregar algo para a população. O pior do PIB pode ter passado, mas vamos ficar próximo de 2017 e 2018 (quando a economia cresceu 1% em cada ano).
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Redação iBahia
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