Casos de influenza A (H1N1), conhecida como gripe A, voltaram a colocar autoridades sanitárias em estado de alerta. Em geral, os surtos da doença ocorrem no país a partir de junho, com a chegada do inverno. Mas, nos três primeiros meses deste ano, o número de infecções já ultrapassa o total de todo o ano passado. Esta semana, foram confirmadas mortes em decorrência do vírus em Brusque (SC), Cuiabá, Dourados (MS), Goiânia e Rio de Janeiro. O estado de São Paulo já contabiliza 38 óbitos por complicações atribuídas ao H1N1, de pelo menos 42 mortes em todo o país. Em função do cenário atual, governos estaduais e municipais estudam antecipar o início da imunização contra a gripe - cujo público-alvo é composto de profissionais de saúde, crianças maiores de 6 meses e menores de 5 anos, gestantes e idosos. A campanha nacional de vacinação está prevista para ocorrer entre os dias 30 de abril e 20 de maio, mas o Ministério da Saúde informou que já começou a fazer o envio dos lotes aos estados. A previsão é que, até 15 de abril, sejam enviadas 25,6 milhões de doses, o que corresponde a 48% do total de doses a serem enviados para toda a campanha deste ano. Já o envio da vacina aos municípios, segundo a pasta, é de responsabilidade dos governos estaduais. Em entrevista à Agência Brasil, o professor de infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Alexandre Barbosa lembrou que, no final de 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia feito um alerta sobre o aumento da circulação do H1N1 no mundo. O tipo (cepa), segundo ele, é exatamente o mesmo que provocou a pandemia de gripe A em 2009 e que voltou a assustar em 2013. “O vírus influenza vai sempre circular. Por isso, as medidas preventivas têm que ser tomadas sempre. É como escovar os dentes – não vale fazer só quando eles estão ruins e depois relaxar ou a dor volta”. Agência Brasil: O surto de H1N1 chegou mais cedo ao Brasil este ano? Alexandre Barbosa: Sim, ele veio mais cedo mesmo. A OMS já havia feito um alerta no final de 2015 sobre a maior circulação da mesma cepa de H1N1 que circulou em 2009 e que causou a pandemia. Essa cepa também circulou com mais força em 2013, mas passou os anos de 2014 e 2015 um pouco mais escondido. E é sempre assim: quando um vírus não circula por algum tempo, isso permite que a população passe a ter um número considerável de pessoas suscetíveis à infecção. O aumento de casos também pode estar relacionado, por exemplo, a uma baixa taxa de imunização. É, na realidade, uma junção das coisas. Agência Brasil: O que mais pode ter contribuído para que os casos no país voltassem a subir? Barbosa: O fenômeno El Niño também pode ter dado a sua contribuição. Percebemos que o volume de chuvas este ano aumentou em relação ao ano passado. Apesar de não estar frio, as pessoas tendem a ficar mais tempo dentro de casa ou em ambientes fechados para se proteger das chuvas. E essa concentração, como se sabe, facilita a proliferação do vírus influenza. Temos, provavelmente, uma congruência de situações que levaram ao aumento de casos. A situação atual, porém, não caracteriza ainda uma epidemia. Temos apenas surtos, mas o estado é de alerta. Agência Brasil: Há risco de uma eventual epidemia ou pandemia? Barbosa: Provavelmente não. Já temos notícias da antecipação da vacina em algumas localidades. Essas pessoas ficam protegidas. Há ainda parte da população que já entrou em contato com o vírus, não chegou a desenvolver sintomas da doença, mas ficou imune. A gripe tem muito isso: nem sempre apresenta sintomas ou desenvolve sintomas brandos. Mesmo no caso do H1N1, não necessariamente teremos pacientes com síndrome gripal, febre alta, dores no corpo e sintomas respiratórios. A pessoa pode apresentar um quadro mais ameno e que leve a achar que se trata de um resfriado, com febre leve e coriza. Agência Brasil: Além do Zika, o H1N1 também representa perigo em potencial para as gestantes? Barbosa: A influenza sempre esteve relacionada a quadros mais graves em gestantes. A mulher grávida, na realidade, é como uma pessoa imunodeprimida, já que a gestação causa alterações no sistema imunológico. A gestante tem maior propensão a desenvolver doenças em geral. Qualquer cepa de influenza que aparece e que é mais patogênica sempre deve ser motivo de preocupação entre as mulheres grávidas. Agência Brasil: Há alguma chance do vírus que circula agora ser mais forte que o de 2009? Barbosa: O H1N1 de agora não é mais resistente que o que tivemos antes. A cepa que está circulando neste momento no país é idêntica à que circulou em 2009 durante a pandemia. O aumento de casos e de óbitos se dá pela reduzida imunidade na população. Isso porque o vírus tira proveito de uma determinada situação para circular. E o que temos agora é como se fosse uma estrada sem radar, onde o H1N1 aproveita para correr sem ser multado. Agência Brasil: Após a pandemia, algumas das orientações de prevenção foram deixadas de lado? Barbosa: Infelizmente, o brasileiro tem uma cultura que não perpetua bons hábitos. Ele fica bem assustado, chega a ficar paranoico quando a emergência acontece, mas a informação preventiva que ele tinha facilmente se desfaz ao longo do tempo. Um exemplo disso é o uso da camisinha. Quando a aids era tida como doença fatal, uma sentença de morte, todo mundo usava preservativo e falava sobre o assunto. Agora, que há tratamento, temos novamente muitas pessoas se contaminando. A gente vê as epidemias crescendo porque a pessoas pararam de ter cuidado. O vírus influenza vai circular sempre. Não há como eliminar. Sempre haverá cepas para as quais a população não terá imunidade. As medidas preventivas têm que ser tomadas sempre, como o hábito de escovar os dentes. Não vale se preocupar só quando os dentes estão ruins e depois relaxar.
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