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A heterossexualidade compulsória e a invalidação lésbica

Gisele Palma discute prejulgamentos sobre lésbica que performa feminilidade. Especialista ainda fala sobre heterossexualidade compulsória

Gisele Palma • 15/03/2024 às 16:06 - há XX semanas

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Nesta semana, me deparei com um tweet sobre mim que dizia: “O tombo que vai ser quando, daqui a uns anos, descobrirem que a Gisele Palma é bi”. Essas poucas palavras carregam uma carga tão pesada de simbolismos e preconceitos que eu decidi não só postar um vídeo no Instagram, como também ampliar o debate na minha coluna. Antes de mais nada, portanto, preciso me apresentar. Me chamo Gisele Palma, sou de Salvador (BA), trabalho com educação sexual e sou lésbica.


				
					A heterossexualidade compulsória e a invalidação lésbica
A heterossexualidade compulsória e a invalidação lésbica. Foto: Freepik

Primeiro, observe que a pessoa não duvidou da sexualidade de nenhuma outra criadora de conteúdo sapatão. Ela criou a fanfic sobre mim, uma lésbica feminilizada que infelizmente já está acostumada a ser invalidada. A minha forma de me vestir é, unicamente, o jeito que eu me sinto bem, feliz e confortável. Não diz nada sobre por quem eu sinto atração. Ser “feminina” não me impede de ser sapatona. Outro motivo por trás da invalidação é o fato de eu já ter sido casada com um homem. E aqui o buraco é ainda mais embaixo.

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A heterossexualidade é um sistema político obrigatório do qual é muito difícil conseguir sair, especialmente as mulheres. Na lógica patriarcal, o homem é a criatura mais importante e TODAS as pessoas devem adorá-lo, inclusive os homens hétero. Já reparou como homem só respeita, escuta, lê e segue outros homens, ao passo que nós somos incentivadas a rivalizar, criticar, nos comparar e odiar umas às outras?

Então imagina o absurdo que é uma mulher amar outra mulher. Toda a estrutura social fica ameaçada quando o homem sai do centro do cuidado, admiração e afeto da mulher. Em 1980, quando Adrienne Rich traz o termo “heterossexualidade compulsória” e discute a heterossexualidade [e aqui eu a cito] “como uma instituição política que retira o poder das mulheres", ela estabelece um marco importantíssimo para o movimento lésbico dentro do feminismo.

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					A heterossexualidade compulsória e a invalidação lésbica
Gisele Palma discute prejulgamentos sobre lésbica que performa feminilidade. Especialista ainda fala sobre heterossexualidade compulsória. Foto: Reprodução / Canva Pro

Tudo isso para dizer que, sim, nossa sexualidade é brutalmente atravessada por esse regime de dominação e, portanto, se reconhecer enquanto uma mulher lésbica é também ter de desconstruir o que você foi socialmente predestinada a ser: discípula de macho.

Ninguém nos ensina que é possível amar outra mulher. Daí vem a importância da representatividade; ter o amor lésbico retratado em filmes, livros, novelas, desenhos e músicas gera identificação e reconhecimento. Ter lésbicas ocupando cargos públicos e de liderança é inspiração para todas as sapatonas.

Diante do tweet supracitado, muitas poderão questionar: “e daí se um dia a Gisele Palma se entender como bissexual?”. E eu também penso assim. O que qualquer pessoa tem a ver com a boca que o outro beija ou deixa de beijar? Mas eu também entendo que eu me tornar uma referência lésbica e depois me assumir como bi soa como um esvaziamento da pauta e reforça a máxima absurda de que “só é lesbica porque não encontrou o cara certo”.


				
					A heterossexualidade compulsória e a invalidação lésbica
A heterossexualidade compulsória e a invalidação lésbica. Foto: Reprodução / Canva Pro

Invalidação lésbica

Então, sim, eu entendo que é complicado. Mas, antes da preocupação sobre a impressão que causaria, é preciso respeitar o processo de autoconhecimento de cada pessoa. Porque esse tipo de “ameaça”, colocando como falsa, mentirosa, oportunista ou indecisa a pessoa que muda a percepção da sua orientação, colabora para a não saída do armário. Se fica instaurada a fiscalização da sexualidade alheia, a gente, além de lidar com tudo relacionado ao nosso processo, ainda teria de lidar com o medo de jamais poder se reconhecer de outra forma pela preocupação com o que os outros vão pensar.

E, por fim, o comentário da desquerida é, também, uma bifobia de achar que meus cursos e conteúdos, que são voltados para mulheres que amam mulheres, não teriam a mesma credibilidade caso eu também gostasse de homem. A bissexualidade é uma orientação tão válida como qualquer outra e precisa ser respeitada. Não é nenhum demérito ser bi.

A lesbianidade é algo muito sério, forte e potente dentro de mim. Me entender como sapatão, tendo sido encaixotada na heterossexualidade por 25 anos, foi extremamente libertador. Afirmar que vão “descobrir” que eu sou bi pressupõe que eu estou fingindo ser lésbica e que, mais cedo ou mais tarde, a verdade virá à tona. Isso é muito cruel. Se uma mulher se diz lésbica, independentemente de suas características físicas e suas vivências passadas, ela é lésbica. Apenas respeite.

Imagem ilustrativa da coluna Educação xualSe
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