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Tabus, Tretas e Troças

Tradição X Capital: o dilema entre o modelo associativista e a SAF

Embate mostra que o cenário do futebol brasileiro se tornou um laboratório de experiências, algumas bem-sucedidas e outras marcadas por instabilidade

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Sílvio Tudela

18/08/2025 às 10:24 - há XX semanas
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Nos últimos anos, o modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF) tem ganhado força no Brasil, impulsionado por mudanças legislativas e pelo exemplo de clubes que buscaram investidores para reestruturar dívidas e profissionalizar a gestão. Botafogo, Cruzeiro e Vasco já aderiram, cada um com resultados e desafios distintos.


					Tradição X Capital: o dilema entre o modelo associativista e a SAF
Tradição X Capital: o dilema entre o modelo associativista e a SAF. Foto: Shutterstock/alphaspirit.it

Nesta semana, o assunto voltou aos holofotes após a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, afirmar que vê a SAF como tendência inevitável para o futuro do futebol brasileiro, destacando que o formato traz mais clareza, profissionalismo e responsabilização dos gestores. Ela, porém, não pretende implementar a mudança durante sua gestão nem investir no clube caso ele se torne SAF, afirmando não ter interesse em ser sua proprietária. Crítica do padrão associativo tradicional, Leila Pereira argumentou que este modelo permite que dirigentes deixem dívidas sem consequências pessoais, comprometendo a saúde financeira das instituições.

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Em outras palavras, o futebol brasileiro atravessa um momento de encruzilhada, com clubes gigantes extremamente endividados. De um lado, o modelo associativista — no qual os clubes são entidades sem fins lucrativos, controlados por seus sócios e conselhos deliberativos — ainda é dominante e carrega o peso da história. Do outro, o modelo de Sociedade Anônima do Futebol, regulamentado pela Lei 14.193/2021, surge como promessa de modernização, injeção de capital privado e profissionalização da gestão.

A oposição não é apenas conceitual, mas estrutural. No associativismo, o poder está concentrado em conselheiros, presidentes e dirigentes eleitos, muitas vezes com forte influência política e pessoal. Trata-se de um sistema que preserva tradições e vínculos afetivos com a torcida, mas que, em muitos casos, convive com gestões amadoras, endividamento crônico e dificuldades para competir em um mercado cada vez mais globalizado. Quem se beneficia desse modelo são dirigentes que mantêm o controle sobre decisões estratégicas, grupos políticos internos que disputam cargos e, em certa medida, torcedores que valorizam a identidade e o pertencimento que um clube “dos sócios” proporciona.

Já a SAF transfere o centro de poder para investidores, que passam a deter participação acionária e assumem responsabilidades sobre dívidas e operações. Nesse formato, a governança segue a lógica empresarial: há foco em resultados financeiros e esportivos, profissionalização da gestão e acesso facilitado a capital de mercado. Os maiores beneficiários são os grupos de investimento e empresas que compram clubes, mas também atletas e profissionais que encontram estruturas mais modernas, além de torcedores que, em tese, podem ver times mais competitivos e vitoriosos.

A adesão à SAF não é garantia de sucesso. O modelo ainda é recente no Brasil e há exemplos de clubes que enfrentam dificuldades mesmo após a transformação, seja por má escolha de investidores, seja por modelos de negócios incompatíveis com a realidade esportiva. Por outro lado, permanecer no associativismo também exige mudanças profundas: transparência, compliance, governança moderna e geração sustentável de receitas.

O futuro do futebol brasileiro sem SAF é possível, mas improvável sem reformas estruturais. A tendência global aponta para a atração de capital privado e a integração a redes internacionais de clubes, o que pressiona instituições tradicionais a se reinventarem ou cederem espaço. Entre tradição e capital, a escolha não é apenas sobre o modelo de gestão, mas sobre qual identidade e qual projeto de futuro cada clube pretende defender.

Experiências brasileiras


					Tradição X Capital: o dilema entre o modelo associativista e a SAF
​Foto: IA / ChatGPT

Clubes como o Cruzeiro, que passou por Ronaldo Fenômeno e depois ao empresário Pedro Lourenço, ilustram como o aporte financeiro e a reestruturação administrativa podem devolver protagonismo esportivo. O Botafogo, sob o comando de John Textor, reduziu dívidas em meio bilhão de reais e quebrou um jejum de 29 anos sem um título nacional e garantiu a conquista inédita da Libertadores da América. O Bahia, com o City Football Group, e o Atlético-MG, após venda parcial para quitar dívidas, também sinalizam avanços, ainda que acompanhados de oscilações de desempenho.

Por outro lado, experiências como a do Gama, que rompeu judicialmente com investidores e voltou ao associativismo, ou a do Ipatinga, que se reergueu rapidamente, mas ainda depende de sustentabilidade financeira, mostram que o modelo não é infalível.

Até o final de 2024, o país contabilizava 63 SAFs, com Minas Gerais, Paraná e São Paulo liderando a adoção. Clubes como Corinthians, Palmeiras e Fortaleza, entretanto, defendem que é possível modernizar e manter saúde financeira preservando o associativismo — desde que acompanhado por reformas profundas de governança e transparência.

A pergunta que resta é menos sobre qual modelo adotar e mais sobre como garantir que, seja sob SAF ou associativismo, a profissionalização seja duradoura e blindada contra os ciclos de má gestão que historicamente afundaram grandes clubes brasileiros.

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