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Segurança alimentar é um tema que está na ordem do dia em todo o mundo, quando se discute sobre abastecimento. Produção sustentável, certificação de origem e questões afins são preocupações que hoje afetam a todos e, neste particular, o novo Código Florestal pode vir a beneficiar o Brasil, conferindo um diferencial de qualidade a seus produtos agrícolas. É o que pensa o ex-ministro da Agricultura, o engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas. Apesar de esperar bons resultados da aplicação do código, ele se diz decepcionado com o enfoque dado às discussões, que, na sua opinião, resultaram politizadas e sem base técnico-científica. Rodrigues considera que o país seria mais beneficiado se tivesse um código agroambiental em que a área florestal fosse um capítulo importante.Seja como for, ele acha que o sucesso do que está posto vai depender do empenho conjunto dos governos federal, estaduais e municipais, ao lado de entidades privadas do setor, inclusive para o esclarecimento dos pequenos e médios produtores sobre a importância da nova lei. Estes agricultores, segundo entende, vão também precisar de apoio dos governos no que diz respeito a financiamentos, a fim de que possam adequar suas propriedades às novas regras. O Código Florestal, que o ex-ministro aborda nesta entrevista, será um dos temas debatidos no Fórum Agenda Bahia, que o CORREIO realizará em Salvador, no mês de novembro.Quais as mudanças mais significativas que o senhor identifica no novo Código Florestal brasileiro?Em primeiro lugar, quero dizer que achei a discussão do Código Florestal ridícula, com um monte de pessoas que não sabia do que estava falando, não entendia nada. Acabaram falando bobagem, ideologizando, apaixonando, radicalizando uma coisa que era tão fácil de ser resolvida no bom senso do equilíbrio. Eu tenho uma grande tristeza, uma grande frustração pela forma como se processou a discussão do Código Florestal. Floresta é uma coisa importantíssima. Não é mais importante do que a água, por exemplo. E há uma ligação entre ambas. É tão importante quanto a conservação do solo. Estão todas interligadas. Portanto, muito mais importante do que um Código Florestal é um código ambiental, do qual o código florestal seja um capítulo relevante, mas não o único capítulo.O que há mais importante no texto da nova legislação, no que diz respeito ao agronegócio?Uma das coisas mais relevantes do novo código é o CAR, o Cadastro Ambiental Rural, que vai permitir um controle mais consistente do que seja a cobertura vegetal e florestal brasileira. Mas a minha tese é que se tenha um código ambiental do qual participe o Código Florestal com todas as questões que estão ali colocadas. Considero uma tristeza a forma com que foi conduzida a discussão do Código Florestal. Inclusive porque uma boa parte da numerologia que lá está escrita é inteiramente cabalística. Por que se deve preservar 80% da Reserva Legal da Amazônia e não 90% ou 73%? Por que são 20% no Sul e não 50%? De onde surgiram estes números?Então tudo foi feito às escuras, sem se basear em ideias, estudos?Claro que há ideias, mas não há um lastro técnico-científico na formulação desses números, que deveriam ser colocados por órgãos de pesquisa como Embrapa, universidades, órgãos estaduais, mostrando com clareza o limite de cada região em função de relevo, tipo de solo, vocação do uso daquele solo, etc. Faltou base técnica na discussão de uma coisa que virou política, sem lógica científica. Foi uma discussão infeliz, que poderia ser muito mais abrangente, muito mais objetiva para o interesse da nação inteira se fosse um Código Ambiental.E nesse Código Ambiental que o senhor defende, como deve ser abordada a questão do agronegócio?Não se pode isolar o Código Ambiental da produção sustentável do agronegócio brasileiro, seja para alimentos,para fibras, para energia, seja o que for. O que defendo é a ampla discussão de um código agroambiental, do qual a questão do meio ambiente seja um ponto fundamental e a questão florestal seja um capítulo. Defendo uma discussão para a formulação de uma estratégia para o desenvolvimento sustentável do agronegócio brasileiro, que seria um código agroambiental, cuja discussão é muito oportuna após a Rio +20.A nova lei traz impactos específicos sobre o agronegócio?Se até 8 de outubro a medida provisória não for votada no Congresso, vai caducar, e vamos voltar à lei anterior. Aí vai ficar uma coisa complicadíssima. Mas se ficar mantido como está neste momento, São Paulo, por exemplo, terá alguma recuperação de APPs (Áreas de Preservação Permanente), que acho fundamental. Ninguém pode negar a importância da APP, mas a recuperação traz um custo para produtores rurais, sobretudo os pequenos, que serão os mais afetados, e os médios, porque ainda não há uma visão definitiva para eles. Imagino que o governo do estado já se preocupe com isso e vá trabalhar nessa direção. Não há impactos negativos para São Paulo, se ficar como está na medida provisória e na legislação aprovada. Naturalmente, afetará o rendimento de alguns produtores, mas para o estado é positivo.O senhor identifica algum diferencial competitivo para os produtos agrícolas brasileiros?Teoricamente, sim. Há uma pressão crescente no mundo comercial sobre a questão da sustentabilidade, rastreabilidade, certificação, que são palavras que ganharam uma dimensão e estão a todo momento nas discussões mundiais sobre segurança alimentar. Um código ambiental, florestal, que defenda com vigor a sustentabilidade produtiva terá vantagens, porque os produtos brasileiros terão um reconhecimento a partir dessa legislação.
O código deverá então ajudar o Brasil a se firmar como grande produtor mundial de alimentos? Esta seca nos Estados Unidos, que está atingindo a safra de Verão com uma quebra de 120 milhões de toneladas na produção de milho e soja em relação às estimativas iniciais, mostra uma brutal precariedade dos sistemas produtivos mundiais. Para se ter uma ideia, a quebra da safra americana é igual à safra brasileira de milho e soja juntas. As discussões internacionais sobre segurança alimentar estão voltadas muito preferencialmente para o abastecimento, como se fosse possível abastecer sem produzir. A visão dos governos é uma visão política em busca de votos, é muito mais voltada para o consumidor, e portanto para o abastecimento, do que para o produtor, que é uma minoria em termos numéricos eleitorais, eleitoreiros. Fala-se em abastecimento sem falar em produção, estocagem etc. E o que acontece é isso: um único ano destrói o potencial de abastecimento alimentar global.
Quais os principais desafios a serem enfrentados pelo agronegócio brasileiro em relação ao Código Florestal?Os desafios são de caráter financeiro, na medida em que os produtores vão ter gastos na recuperação de APPs, em financiamentos, mecanismos de validação do projeto, economicamente falando. Quando se fala no agronegócio, ou mesmo na agropecuária brasileira, se fala em um setor econômico importantíssimo, que representa 23% do PIB. Mas às vezes não se fala nas pessoas. Eu digo que o setor vai ter alguns problemas para resolver que não serão graves, mas pessoas serão afetadas. Sobretudo os médios e pequenos produtores rurais, que terão uma carga pesada em cima deles, seja pela redução da produção, seja pela necessidade de recompor áreas, seja pela função do CAR. Alguns terão prejuízos. O setor de maneira geral não terá grandes problemas, mas algumas pessoas dentro dele terão. É preciso olhar os casos individuais e encontrar soluções que mitiguem os problemas desses produtores.
Na Bahia, a maioria dos produtores agrícolas se dedica à agricultura familiar. Eles vão ficar mais vulneráveis?Estes estarão mais expostos e vulneráveis. Os governos estaduais, cada estado com suas peculiaridades, deveriam estar atentos às pessoas e procurar mitigar os seus problemas, com financiamento, eventualmente com algum fundo perdido bancado pelo próprio estado, para que as perdas, se houverem, não sejam determinantes do fracasso desses produtores.
O código anterior era considerado mais rigoroso, mas nunca foi cumprido integralmente. Deverá ser diferente com o atual?O que se tinha não era consistente com a realidade e foi sendo modificado por medidas provisórias nos últimos 15, 20 anos, que nunca se consolidavam numa lei completa. O esforço é para criar uma lei definitiva que seja consistente com a realidade brasileira. Agora, daí a colocá-la em prática, há um longo caminho a ser percorrido. Vai depender de um esforço coletivo que incorpore, inclusive, os governos municipais. Em que governos federal, estaduais e municipais se somem a entidades de classe do setor privado, num enlace em torno do código agroambiental, em benefício do país. Esse é o tema, e aí a questão central é informação, educação.
Na prática, o que deve ser feito para levar informação e educação sobre a nova lei a todo o Brasil, especialmente aos produtores rurais? Deve-se mostrar as vantagens, os ganhos, os benefícios a serem obtidos por todo mundo, seja o produtor, seja o setor urbano, com a implementação verdadeira do código. As pessoas têm que se sentir atraídas e beneficiadas pelo projeto. Se houver rejeição por desinformação, como ocorreu na fase de discussão, não vamos avançar. Mesmo no meio rural, existe esta desinformação. Vai ser preciso traduzir para as pessoas o alcance do código e as suas consequências, didaticamente, sociologicamente. Deve ser como uma cartilha de esclarecimento, um trabalho quase missionário.