Acarajé, abará, Oxóssi, Iemanjá e o ijexá. Culinária, religião e música são atrativos para lá de singulares para o turista que passar pela Bahia durante a Copa das Confederações. Não para quem vem da Nigéria acompanhar a partida contra o Uruguai, hoje, às 19h, na Fonte Nova. “Aqui eu me sinto em casa, não há tanta diferença entre Nigéria e Bahia”, diz a estudante de Letras Vernáculas Portuguesas Yayi Funke Ayodej, 20 anos, que participa de um intercâmbio entre a Obafemi Awolowo University, em Lagos, capital financeira da Nigéria, e a Universidade Federal da Bahia (Ufba).
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Ela faz parte de um grupo de dez estudantes nigerianos que chegaram por aqui há cerca de dois meses e vai ficar um ano. Estarão todos no estádio hoje e contam com a identidade em comum com a Bahia para ganhar força nas arquibancadas. “Temos a maior população negra da África e Salvador é a capital negra na América Latina. O mar que nos separa é muito menor que a distância cultural entre Brasil e Uruguai”, afirmou o coordenador da Casa da Nigéria e representante do Ministério da Cultura nigeriano na Bahia, Oyewo Mojeed Oyebamiji.
Comida - O mar que nos separa da Nigéria, aliás, foi um grande elo de ligação. O bolinho de feijão que é o principal cartão-postal gastronômico da Bahia veio do acará, nigeriano. Lá é preparado de forma parecida com o daqui, com feijão fradinho e frito no azeite de dendê (que também não existia na América do Sul e veio comos escravos). “A diferença é que lá se come puro. Não bota camarão, salada, caruru, pimenta. Aqui fica mais gostoso”, reconheceu a colega de Yayi, a também estudante Peace Ogonodi, 22. O abará lá é chamado main main e também se diferencia do daqui pelo recheio: “Lá é servido comovos, carne, peixe”, completou Oyewo.
Língua - Boa parte dos povos que hoje pertencem ao território da Nigéria, que se unificou como uma colônia inglesa em 1914, foi escravizada e mandada ao Brasil. Chegaram aqui e praticamente dividiram com os negros vindos da Angola a influência na religião, música e até na língua. “‘Gogó’ é o pomo de adão. Aqui temos 20 lugares com nome em iorubá, como Ogunjá e Arembepe. Quando a chuva é forte, é ‘toró’. E a expressão ‘êpa!’ também é em iorubá”, citou o professor da língua nativa em Salvador Adelson Silva de Brito. Para ficar por aqui, basta dizer que Olodum e Ilê Aiyê também vêm do iorubá.
Religião - Mas foi na religião que estas tribos deram a maior contribuição. O povo Ketu, que cultuava Oxóssi na África, chegou ao Brasil e conseguiu reunir diversas outras nações que falavam iorubá e cultuavam outros orixás (como Iemanjá, Ogum e Xangô) debaixo da mesma religião, o candomblé - Nação Ketu. “Junto coma religião, veio a música, oijexá, que é uma etnia de lá e trouxe instrumentos como o xequeré e o agogô”, explicou Misbah Wale Akanni, nigeriano radicado em Salvador há 20 anos, que veio parar aqui também através do intercâmbio com a Escola de Letras da Ufba, mas decidiu ficar e hoje tem uma loja de roupas africanas na Praça da Sé. Segundo o antropólogo Ordep Serra, doutor em História da África e professor da Ufba, todo baiano que conhece sua história deve torcer para a seleção nigeriana.“Agente é vizinho do Uruguai, mas primeiro torce pros parentes. Quase todos nós, se formos ver, temos ancestrais nigerianos. Além disso, todo baiano culturalmente tem algo de nagô, de iorubá”, salientou. Tudo muito bom, tudo muito bem, identidade e tal... Mas e a Olimpíada de 1996? Aí Akkani apela para que os brasileiros esqueçam o torneio, quando o Brasil foi eliminado pela Nigéria emuma dramática partida que começou ganhando por 3x1 e tomou a virada na prorrogação: 4x3,com dois gols do atacante Kanu. “Vamos esquecer Kanu, que o que passou, passou. Se não apoiar, não torça contra”.