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Tacito Cury guarda fotos e jornal sobre o 11 de Setembro |
Um brasileiro foi um dos professores de inglês do terrorista Marwan al Shehhi, piloto de um dos aviões que atingiram o World Trade Center (WTC), em Nova York, em 11 de Setembro. O paulista Tacito Cury, então com 20 anos, reconheceu o aluno na capa do jornal do dia seguinte aos atentados e acabou sendo demitido após comunicar ao FBI que tinha informações sobre al Shehhi. Cury também é um sobrevivente dos ataques. O jovem trabalhava duas vezes por semana no escritório da escola localizada no 57º andar da Torre Sul do WTC. Na manhã de 11 de setembro de 2001, atrasou-se. Ao saltar do metrô, foi avisado por bombeiros que havia um incêndio na Torre Norte, mas que o acesso à Sul estava liberado. “Estava uma confusão no térreo, mas entrei no prédio. Subi até o 30º andar, onde teria de trocar de elevador. Vi uma mulher com o rosto machucado. Ela gritava ‘está pegando fogo, corram’. Decidi descer de volta, pelas escadas. Olhei pela janela e vi uma chuva de papel caindo. Na hora, não conseguia acreditar que era verdade”, contou o empresário, em entrevista ao G1 em seu escritório em São Paulo, onde passa alguns meses do ano.
‘Achei que estavam gravando um filme’Acostumado a encontrar ruas fechadas em Manhattan para gravações de filmes e seriados, Cury chegou a pensar que estava em meio a uma cena de ficção: “Achei que estavam gravando algum filme, o que é comum nas ruas de Nova York. Só percebi que era de verdade quando vi pessoas ensanguentadas ao meu redor, gritando de dor e pedindo ajuda. Nessa hora, liguei para meu pai para dizer que estava lá, mas que estava tudo bem”.
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Cury tirou fotos das torres em chamas. |
Enquanto falava com o pai, viu o segundo avião bater. “Foi um barulho absurdo e tremeu tudo. Os prédios tremeram. Mesmo com o segundo avião, eu achava que era acidente. Fiquei olhando aquelas torres queimando, tentando entender o que estava acontecendo. De repente, cai a primeira torre. Eu ia me distanciando do local e olhando para trás. Mas só pensava em ir para o mais longe possível”. Com a suspensão dos serviços de transporte, Cury, que morava em Newark (Nova Jersey), acabou dormindo na sede da escola localizada na Rua 56, em Nova York. No dia seguinte, passou em casa para trocar de roupa e voltar para mais um dia de trabalho. Na volta a Manhattan, no metrô, pegou um exemplar do jornal Daily News deixado em um dos assentos e reconheceu Marwan al Shehhi entre os suspeitos. “Liguei para o escritório, soletrei o nome dele e confirmei que era mesmo nosso aluno. Do metrô mesmo, liguei para o FBI e contei que estudou na escola. Não sei se eu pensei que ia ter uma recompensa ou o quê. Quando cheguei, já estava tudo bloqueado. Meu patrão não gostou e acabei sendo demitido. Perdi meu emprego por ter avisado o FBI”, lembra.
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Marwan al Shehhi |
Um aluno discretoSegundo Cury, al Shehhi era um aluno calmo e discreto, que não falava muito, mas estava habituado à cultura americana. “Era calmo, falava devagar. De vez em quando, falando ao telefone em árabe, parecia brigar, mas não dava para saber o assunto. E não parecia terrorista”. Cury, que era uma espécie de “faz tudo” na escola, ajudou o aluno a encontrar um local para morar, encaminhou documentos para o visto de estudos e até o levou para comprar roupas em uma grande rede de lojas americana. Como aluno de inglês, o árabe não se destacava. “Não gostava de estudar, não ia bem nas provas. Só queria mesmo o visto e um lugar para morar”, diz. Depois de frequentar três meses de aulas, cerca de 20 dias antes dos atentados, pediu transferência para uma unidade da escola na Flórida e nunca mais apareceu. O ex-professor diz não esquecer a fisionomia, os trejeitos e as roupas de al Shehhi. “Usava sempre uma camisa xadrez escura, tinha cavanhaque. Foi esse aluno que quase tirou minha vida. Ele que acertou o prédio onde eu trabalhava”, diz.
Dez anos depoisCom a demissão da escola, Cury decidiu ficar em Nova York e investir justamente na educação de estrangeiros. Acabou abrindo uma escola de inglês, hoje frequentada por muitos europeus, além de brasileiros e asiáticos, e outras três de formação de professores, nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França. Ainda existe muita coisa mal explicada, como o avião que atingiu o Pentágono" Tacito Cury Ao longo dos últimos dez anos, fez faculdade e pós-graduação. Estudou comércio exterior, relações internacionais e até decoração. Fascinado pelas conspirações em torno dos atentados de 11 de Setembro, focou os estudos em questões diplomáticas, viajou para países do Oriente Médio, assistiu a filmes sobre o assunto. “Ainda existe muita coisa mal explicada, como o avião que atingiu o Pentágono”, opina. Quando está no Brasil, toca projetos de decoração, hobby que virou mais uma de suas ocupações profissionais, e é síndico do prédio onde mantém seu home-office, na região da Avenida Paulista, em São Paulo. “Será a primeira vez que passarei o 11 de Setembro no Brasil. Fiz questão de não estar em Nova York. Falar sobre o assunto, relembrar aquele dia, é normal. Mas estar lá, com toda a carga envolvida, é outra