Nesta terça-feira (2) é celebrado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, data estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), que visa alertar para as questões relativas ao Transtorno do Espectro Autista (TEA). Complexa, a condição não possui um diagnóstico laboratorial e afeta diversos aspectos comportamentais e cognitivos da vida da pessoa com essas características.
Para que a pessoa com TEA tenha a melhor qualidade de vida é muito importante que a condição seja diagnosticada o mais cedo possível.
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"Quanto antes se tem diagnóstico, antes se iniciam os estímulos e ampliam-se as possibilidades de melhora. Um cérebro em desenvolvimento tem mais habilidade para aprender coisas novas, e chamamos isto de neuroplasticidade, o que não significa que nada será feito num diagnóstico tardio, [mas] estimular a funcionalidade será sempre importante", pontua a neuropediatra, Rachel Silvany.
As mães Larissa Porto e Mariana Leonesy, de Feira de Santana, enfrentaram essa fase de dúvida sobre o diagnóstico do TEA da filha Marina Leonesy Porto, que hoje tem 4 anos. Nascida pouco antes da pandemia de Covid-19, as mães acharam, inicialmente, que a diferença no comportamento de Marina era resultado do isolamento.
"Marina foi uma criança que teve pouca interação social, porque quando foi para a pandemia ela tinha seis, sete meses, e aí a gente começou a vivenciar um período de isolamento muito forte. Com isso, Marina foi se desenvolvendo com mais acesso à família, os contatos mais próximos [foram] sem muitas crianças na interação", conta.
"Então, quando ela completou um ano e seis meses, justamente por conta da nossa formação, a gente começou a identificar alguns sinais de autismo, mas sempre ficava aquela dúvida", explica Mariana, que assim como a esposa Larissa é psicóloga de formação.
Ainda segundo a neuropediatra Rachel Silvany, a pessoa autista percebe o mundo de uma forma diferente e pode desenvolver alterações nos sentidos (como a audição, paladar, tato, visão, olfato), oscilando entre alguém que evita ou que busca por sensações diversas.
As estereotipias vocálicas - que são o ato de repetir um mesmo som que agrada a audição e trazem conforto - são um exemplo de comportamento que pode indicar a existência do autismo em crianças.
"Às vezes eu falava, Marina, olha o passarinho, e ela continuava correndo. Então eu chamava Marina e nem sempre ela olhava pra mim. Muitas vezes acontecia como se a gente chamasse ela e não tivesse muita troca de contato. A gente foi identificando algumas ecolalias, porque ela ficava [falando] 'qui cá, qui cá' [o tempo todo] ou então ficava correndo de uma parede a outra [repetidamente]", descreve Mariana.
Acompanhamento multidisciplinar é essencial para a pessoa com autismo
Aos dois anos, Marina foi diagnosticada com o TEA e esse foi o alerta que as mães precisavam para iniciar os acompanhamentos necessários para a filha.
"Conseguir o laudo médico foi essencial por que foi a partir dele que fomos encaminhadas para uma clínica especializada, onde Marina faz o tratamento e que foi um momento importante e confortador. Principalmente por sermos psicólogas e da área do desenvolvimento humano nós já estávamos pensando em possibilidades de intervenção", conta Mariana.
"Esse [laudo] tirou das nossas costas um peso que só uma equipe multiprofissional poderia, e [deu] a Marina o suporte que ela precisava", completou a mãe.
Em alguns casos, crianças diagnosticadas com autismo apresentam algumas dificuldades cognitivas e a necessidade de um acompanhamento multidisciplinar foi uma realidade surpreendente e cara.
Inicialmente, as mães precisaram vender um carro para poder iniciar o tratamento de Marina, e atualmente todas as terapias que ela precisa fazer custam em torno de R$ 9 mil.
"Marina vai para a escola e sai ao meio-dia. A gente dá o almoço para ela às vezes em trânsito para que ela consiga chegar às terapias. Então é um investimento muito alto, [mas] é um desafio que vale a pena porque Marina hoje tem um cognitivo muito preservado", relatou a mãe Larissa.
"O autismo dela era tido como grave, mas hoje ela está na faixa [de cognição] de uma criança da idade dela", completou.
Menos de um ano e meio depois do início do acompanhamento profissional, as mães pontuam que o crescimento da filha foi exponencial e que isso mudou a vida da família.
Semanalmente, a menina de 4 anos se divide entre a escola, o acompanhamento com um Assistente Terapêutico para estimulação precoce, sessões com psicólogas, fonoaudióloga e para psicomotricidade, por exemplo.
Direito a inclusão
Para além das dificuldades financeiras, pais de pessoas com autismo e as diagnosticadas com TEA enfrentam impedimentos em instituições de ensino e outros ambientes.
Os direitos da pessoa com autismo são garantidos por meio da Lei 12.764/12, que determinou que a pessoa com TEA é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais.
Ter um professor auxiliar, acesso a um Plano Interdisciplinar Individual, vagas de trabalho exclusivas e redução de carga horária, por exemplo, estão inclusos nesses direitos garantidos por lei.
Entretanto, o preconceito e a falta de estrutura limita o acesso dessas pessoas e pode invisibilizar as necessidades da pessoa com autismo. Isso acontece com Marina, que segundo o laudo médico precisa ser acompanhada por um mediador exclusivo, mas já não tem acesso ao profissional na escola.
"A criança com autismo, principalmente aquela que está no nível de suporte 2, que é o caso de Marina, precisa do mediador na escola. A turma dela tem 22 crianças e ela é uma estudante de inclusão. Eu trabalho falando sobre a importância da educação inclusiva e dilacera meu coração ver que minha filha é um exemplo do que não deve acontecer", conta.
"Nos dois últimos anos, a escola vinha dando a mediação, mas este ano resolveu tirar [o mediador] sem avisar", desabafou Mariana, que entrou com um processo judicial para exigir o direito da filha.
O preconceito também ultrapassa as questões pragmáticas da educação inclusiva, principalmente quando a pessoa com autismo não corresponde ao que é socialmente esperado deste grupo. Este é o caso do estudante Rodrigo Oliveira Montinho Santos, de 30 anos, diagnosticado com TEA nível de suporte 1.
"As pessoas não me enxergam como alguém que tem autismo porque eu falo, porque estou em um curso de graduação e etc. A gente acaba passando por invisibilizações. Como sou uma pessoa autista com nível 1 de suporte então o [diagnóstico precoce] é mais difícil. Por isso é um pouco difícil para mim acessar algum suporte público porque posso passar por algum capacitismo, como já sofri com médicos antes", relata ele.
Conscientização sobre o TEA importa para a pessoa e para a sociedade
Entender o diagnóstico como um estigma ou uma limitação pode endossar o preconceito que já existe sobre o Transtorno do Espectro Autista. Diante disso, tanto as mães Mariana e Larissa, quanto Rodrigo, salientam a importância desse momento para o entendimento pessoal e coletivo da realidade da pessoa com autismo.
"O diagnóstico foi uma grande surpresa, mas também um grande alívio. Eu não imaginava que poderia ser autista, mas foi um alívio porque pude entender mais sobre quem eu sou. Entender mais as coisas que aconteciam comigo e porquê aconteciam", enfatiza Rodrigo.
Também através dessa descoberta é possível que a sociedade como um todo observe como contribuir para criar ambientes inclusivos, possibilitando um acesso mais democrático do espaço público para quem possui TEA.
"Nós vivemos em um país que tem aprendido o que é o autismo, mas muito não se sabe ainda. Desde a fila do banco, quando a criança não consegue esperar muito, à estrutura de um supermercado e as atividades pedagógicas apresentadas na escola, [por exemplo]. [É importante] que a sociedade busque se instrumentalizar", afirma Mariana, enfatizando que o acesso que a filha dela teve é raro e que essas situações podem ser ainda mais complicadas para quem não possui o mesmo suporte.
Iamany Santos
Iamany Santos
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