O mar calmo de água morna da Baía de Todos os Santos é perfeito para o descanso de veleiros e lanchas à beira da costa baiana. Mas, no silêncio da noite, pequenas embarcações sem motor irrompem o espelho d’água. Delas, saem os “piaratas da baía”, ladrões que têm tirado o sossego de velejadores e proprietários de lanchas. As embarcações de pelo menos três grupos de turistas estrangeiros foram alvo dos piratas este ano. Além disso, na Ilha de Maré, um comerciante teve um motor de barco roubado. Situações como estas têm feito cada vez mais os velejadores investirem em equipamentos de proteção em alto-mar. Os ladõres agem principalmente durante a madrugada, enquanto os ocupantes dos barcos dormem nas cabines. Sabendo disso, o velejador David Hermida, que há mais de 60 anos navega na Baía de Todos os Santos, resolveu adaptar seu veleiro: colocou alarmes e grades nas entradas no início deste ano. Ele afirma que, depois de ter sido assaltado na Ilha de Itaparica, não se permite mais deixar as portas do seu barco abertas durante os passeios. “Fui obrigado a colocar alarme e barras de ferro nas entradas da embarcação”, conta Hermida, que teve celulares e dinheiro roubados em 2011. Depois do furto, por medo, o velejador chegou a ficar um ano sem viajar para a Ilha de Itaparica com a esposa, que estava com ele no barco no momento do assalto. A delegada Christiane Inocência Xavier, que é titular da Delegacia de Proteção ao Turista (Deltur/Pelourinho) - onde foram registradas duas das três ocorrências com turistas estrangeiros este ano -, vê como comum as ações do chamados “piratas”. “Isso acontece em Salvador e em toda as cidades portuárias do mundo. Isso é pirataria. É um crime de oportunidade. Não há concentração em uma região específica”, afirma Christiane Xavier.
RoubosOs piratas, segundo aponta a delegada, optam por objetos que são deixados nas áreas externas das embarcações. Foi o que aconteceu com quatro velejadores da África do Sul enquanto estavam ancorados perto do Forte de São Marcelo. O grupo, que realizava uma viagem de volta ao mundo, teve equipamentos de mergulho e notebooks roubados pelos piratas da Baía de Todos os Santos durante a madrugada do dia 31 de maio. Nas mesmas circunstâncias, duas turistas norueguesas foram roubadas quando estavam com o veleiro ancorado nas imediações da Praia da Preguiça. Os equipamentos de mergulho, celular, notebook, além de quantias de euro e dólar das duas foram levados no dia 29 de maio. Nesta ação, os ladrões fugiram nadando. A titular da Deltur destaca que, nos dois casos, os piratas foram presos e parte dos objetos roubados por eles foi recuperada. Christiane Xavier alerta para a importância de que as vítimas dos piratas façam o registro das ocorrências. “A Polícia Civil tem a responsabilidade de investigar os crimes, mas só podemos investigar os que são registrados na delegacia. Acontece que quando os objetos são de pequeno valor aquisitivo, as pessoas tendem a não fazer as ocorrências”. A administradora do píer Angra dos Veleiros, na Ribeira, Ângela Maria conta que, geralmente, as embarcações alvejadas pelos piratas estão em poita (ancoradas próximo dos píeres). “Aqui no píer o que acontece mais são esses pequenos furtos, que ocorrem com mais frequência. Os ladrões usam barcos pequenos e a gente tem mais notícia de roubo em barco de gringo porque os ladrões sabem que tem mais dólar”, revela Ângela. O capitão de mar e guerra André Novis Montenegro, responsável pela Capitania dos Portos da Bahia, recomenda que os donos de embarcações busquem ancorar em locais destinados para isso. “Tem uma estrutura das marinas, que são mais seguras, mas as pessoas preferem ficar em áreas mais vulneráveis. Nossa recomendação é que as pessoas procurem áreas seguras”, diz. Ilha Ancorados perto do píer da Ilha de Maré, dia 24 de novembro, dois casais de velejadores franceses tiveram pertences roubados enquanto dormiam. Ladrões que entraram no veleiro roubaram duas câmeras fotográficas digitais, dois celulares, um aparelho de rádio, uma rede de pesca, binóculos e sapatos. “Os objetos estavam na parte alta do barco. Os ladrões não entraram na área onde ficavam as camas onde dormíamos. Nunca imaginei que isso fosse acontecer num lugar como aquele, que parecia ser seguro e tranquilo”, lembra o dono do veleiro, o francês Dominique Raimbault. Ele conta que havia aportado em Ilha de Maré por considerar um local seguro. Raimbault acha que os ladrões pegaram os primeiros objetos que viram pela frente, pois dentro da embarcação havia mais objetos de valor, como máquinas fotográficas profissionais. Em zona privilegiada da baía, a Ilha de Maré fica bem em frente ao Porto de Aratu e é constante o fluxo de tripulantes de navios que circulam pelo local, o que tira o sossego de muitos moradores. “Eles vêm aqui atrás de queimar folha (maconha) e de mulher no brega. Depois que começou essa agonia desse movimento todo aqui, a ilha virou um inferno e ficou cheia de ladrão que fica roubando os barcos e afugentando os turistas”, lamenta um comerciante que vive na Ilha de Maré há 70 anos. Na localidade do Botelho, o mesmo problema de roubos na água já está na praia. Ali, um restaurante foi assaltado duas vezes somente esse ano. Investigação de crimes no mar é divididaA apuração de crimes na Baía de Todos os Santos é dividida entre a Capitania dos Portos e as polícias Civil e Federal. Responsável pela Capitania dos Portos da Bahia, o capitão de mar e guerra André Novis Montenegro afirma que a investigação depende da natureza do crime. Se o furto for da embarcação, por exemplo, a capitania apenas registra o fato para evitar uma eventual transferência de posse. “Nós temos um sistema de gerenciamento de embarcações, mas é a Polícia Civil que investiga”, explica Montenegro. Se houver roubo nas embarcações, a capitania divide a tarefa com a Polícia Federal. “A PF não tem barcos, então temos que ceder barcos da capitania, mas a competência é da Federal”, destaca. A assessoria da PF foi procurada para comentar suas ações, mas não deu retorno. O delegado Marcelo Lins, interino da 5º Delegacia (Periperi), responsável pela área da Ilha de Maré, ressalta que a Polícia Civil não tem estrutura náutica para atender às demandas na Baía de Todos os Santos. “Como vou mandar um policial lá fazer investigação se ele não tem como trazer um eventual preso no barco algemado sozinho?”, questiona o delegado. Em nota, a Polícia Militar informou que o policiamento na Ilha de Maré foi reforçado com o lançamento da Operação Verão, dia 14 de dezembro. Segundo a nota, há seis PMs atuando na ilha, onde até então não havia nenhum. Apesar de ser uma área marítima, o policiamento acontece a pé. Embarcações, segundo a PM, são usadas em operações especiais. Roubos atormentam Ilha de MaréNo trecho de praia entre Botelho e Oratório, na Ilha de Maré, que recebe muitos veleiros nos finais de semana, são comuns os relatos de furtos ocorridos em terra e no mar, apesar do local ficar a poucos quilômetros da Base Naval e da praia de Inema, que tem proteção da Marinha do Brasil. “Aqui os ladrões estão roubando até o combustível das lanchas na calada da noite. Está demais”, conta um morador da ilha, que prefere não se identificar. O comerciante Djalma Monteiro Filho, dono de um restaurante, teve o motor de seu barco furtado há 15 dias na localidade Botelho. “Comprei o motor por R$ 9,5 mil e nem paguei a primeira prestação e já me roubaram”, conta Djalma. Ele ressalta que, no dia do fato, chegou a chamar a polícia, mas não teve êxito. “A polícia não tem barco. Nunca vem até aqui. Cheguei a oferecer R$ 500 para a polícia pagar o barco para vim pra cá, mas ninguém apareceu”, diz. O delegado interino da 5º Delegacia (Periperi), Marcelo Lins, observa que a localização da Ilha de Maré dificulta o trabalho de investigação policial. “Mandar um policial na Ilha de Maré é a mesma coisa de mandar um soldado pra guerra sem arma. Temos conhecimento das ocorrências quando elas são mais graves, mas até pela distância da delegacia, as pessoas acabam não registrando”, diz. Matéria original do CorreioEmbarcações são alvos constantes de roubos na Baía de Todos os Santos
David Hermida navega na Baía há 60 anos, mas não se sente seguro |
Veja também:
Leia também:
AUTOR
AUTOR
Participe do canal
no Whatsapp e receba notícias em primeira mão!
Acesse a comunidade