Em comum, o bairro em que mora e o padroeiro dos rodoviários: São Cristóvão. No entanto, o santo que ajudou o comerciante Jadson Dias, 39 anos, a voltar para casa ontem pela manhã foi um amigo que o resgatou na Estação Pirajá, onde ele dormiu, literalmente, no ponto.
Antes que a greve tivesse início oficial – à 0h de ontem -, Jadson sofreu com os efeitos da paralisação no final da noite anterior. Ele é apenas um no universo de 1,3 milhão de passageiros prejudicados em Salvador. “Eram 23h40 e eu estava no Largo do Tanque esperando o ônibus da Ribeira para a Estação Mussurunga. Quando o coletivo passou, já foi com a bandeira de ‘garagem’ e nem parou. Peguei outro pra estação, mas não tinha mais ônibus”, relata o comerciante.
O jeito era esperar para ver 60% da frota de Salvador nas ruas quando amanhecesse. Então, ele pegou alguns jornais, forrou um banco e repousou no terminal. “Tirei um cochilo de uma hora num banco, mas logo acordei porque tinha muito sacizeiro perambulando. Comi um frio danado”, conta Jadson.
Só às 6h40, ele, enfim, conseguiu retornar para casa, na carona. Nada de ônibus. “O que me impressionou foi não ter 60% da frota circulando como mandou a Justiça. Zero buzu”, disse o comerciante.
Homem aguarda na Estação da Lapa; terminais de transbordo ficaram desertos ontem durante todo o dia |
O gazeteiro Laerte da Silva, 40, nem de longe reconheceu a estação que recebe em torno de 160 mil passageiros por dia. “A essa hora (5h), parece um formigueiro. Já teria vendido pelo menos 50 jornais, mas continuo com os 200 que trouxe. A saída é esperar pra ver se aparece alguma alma”, lamenta.
Providência
A alma até apareceu, mas em outro ponto da cidade: o ponto do cemitério Campo Santo, na Federação. O empresário Wellington de Oliveira Santos serviu de motorista para a sua empregada doméstica Virgínia Maria Coutinho, 52. A mulher trabalha na casa dele, no Rio Vermelho, há 11 anos. “Eles dependem de mim. Se eu não for, não tem como meus patrões saírem pra trabalhar, porque eu cuido da filha mais nova, de 4 anos”, conta a doméstica.
Além de Virgínia, o empresário ainda faria o transporte de parte de 60 funcionários da sua empresa. “Ainda vou ter muito trabalho hoje (ontem) pra buscar outros colaboradores”, completa Wellington.
Alguns estabelecimentos ‘institucionalizaram’ a carona. O motorista Cosme Ferreira, 45, por exemplo, circulou pela capital para apanhar funcionários de um restaurante na Pituba. “Ninguém pode faltar, então, a gente tá passando pra pegar todos os funcionários. Depois daqui (Federação), vou buscar gente em Brotas, Boca do Rio e Jaguaribe”, explica.
Na avenida Suburbana, 50 colaboradores de uma empresa de telemarketing tiveram um ônibus fretado pela empresa à disposição. “Minha filha trabalha no Campo da Pólvora e o ônibus vai deixá-la no Comércio. De lá, ela vai andando até o local do trabalho porque o transporte seguirá para o Cabula”, afirma o segurança Carlos Monteiro, 50, pai da atendente Flávia Monteiro.
Mas nem todos tiveram a mesma sorte. O entregador Rogério Santos, 26, trabalha em um edifício no Iguatemi e chegou ao ponto de ônibus na Federação por volta das 6h. Uma hora de espera depois... nada. “A empresa não entrou em contato comigo. O problema é que, se um chega, todos têm que chegar, então, preciso dar um jeito. Costumo pegar o carro aqui 6h20. Querem que a gente se vire pra chegar lá e não dão assistência nenhuma”, reclama.
Algumas empresas fretaram ônibus para transportar funcionários; Rodoviária teve mais de 500 horários cancelados por conta da greve |
Subúrbio
Nem os micro-ônibus chamados amarelinhos, que fazem a integração entre as estações de trem de Plataforma e Lobato, no Subúrbio, circularam. Apesar dos avisos nos terminais, houve quem foi pego de surpresa com a suspensão do transporte coletivo. “Não vi aviso nenhum. Faço o quê agora? Estou sem dinheiro”, revoltou-se a doméstica Janaína Almeida, 23. Ela precisava chegar no Lobato.
O operador Nilson da Silva, 65, foi mais esperto e deu um jeito de visitar a esposa no Hospital Irmã Dulce, no Largo de Roma. “Peguei o trem em Paripe, vim para Plataforma e agora farei a travessia para a Ribeira. De lá, vou andando”.
Apreensivo para chegar na Baixa do Fiscal, o carregador Jeferson Alves, 25, tentou seguir de trem. “Meu chefe mandou, mas não tem ônibus para a integração. Era pra chegar no trabalho 8h e já estou quase uma hora atrasado. Dá angústia. Poxa!”, desabafa. A integração com ônibus entre as plataformas ocorre desde 2010, quando a ponte São João foi interditada por recomendação do Ministério Público.
Enquanto isso...
Nos portões das empresas de ônibus, rodoviários promoveram piquetes impedindo a entrada de funcionários.
Na garagem da Expresso Vitória, em Pirajá, motoristas e cobradores reuniram-se desde as 3h. “Ninguém entra nem sai. O convencimento pela greve está na marcha sanguínea dos rodoviários”, assegura o motorista Catarino Gomes. A cena se repetiu nas empresas Praia Grande, no Subúrbio, São Cristóvão, Axé e Barramar, em Pirajá, e BTU, no Iguatemi. O Sindicatos das Empresas de Transporte (Setps) afirmou que pediu apoio à PM para que hoje 60% dos rodoviários consigam ir para a rua.
Até ambulante de estação pena na greve
Se não tem ônibus, não tem passageiro. A greve refletiu no comércio formal e informal das estações de transbordo. Na Estação da Lapa, poucos arriscaram esperar pelos ônibus. “Não tem passageiro, não tem trabalhador, não tem cliente. Cadê os estudantes pra comprar meus doces?”, indagou o ambulante Jonas, de 50 anos, que trabalha há 28 na estação. “Mesmo sem ônibus, vou ficar aqui até as 19h”, contou ele, que vai até o local de trabalho de carro.
Jonas contou que perdeu mais de 70% das vendas.
Rodoviária parada
A greve dos rodoviários não restringiu apenas o transporte na capital, mas também impediu a saída dos ônibus intermunicipais e até os interestaduais. “Ônibus intermunicipal e interestadual não tá saindo nenhum. Quem já tinha passagem marcada a empresa vai repor em outra data. Nós achávamos que a greve só iria atingir as linhas municipais, mas quando chegamos aqui hoje vimos que impediu também o funcionamento das outras linhas. O terminal rodoviário de Salvador não está funcionando por causa da greve”, afirmou o coordenador da Agerba no Terminal, Abd-ul-Ramid Farias de Moraes.
Algumas pessoas que tinham passagem marcada para viajar desde o fim da noite de terça-feira acabaram ficando na rodoviária com esperança de viajar. “Eu estava indo visitar amigos em Jacobina, meu ônibus saía às 23h40. Dormimos aqui eu e meu esposo, que veio me trazer. Ele foi trabalhar 6h da manhã e eu continuei aqui”, contou a doméstica Marise de Jesus Silva, 24. Ela afirmou que esperaria o marido até depois do meio-dia para voltar junto com ele pra casa. “Agora a viagem vai ficar para a próxima”, lamentou.
Ao todo, 540 viagens intermunicipais foram canceladas. Segundo a Agerba, somente no terminal da capital deixaram de circular 11 mil pessoas devido à greve. Quem tem passagem comprada e não conseguir viajar tem o direito do ressarcimento integral, ou solicitar que a data seja remarcada. Esses serviços têm de ser realizados nos guichês das companhias.
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