Após a Primeira Guerra Mundial, em decorrência de uma linha de pensamento um tanto idealista que considerava a possibilidade de regulamentação e prevenção dos conflitos internacionais, nasce o estudo das Relações Internacionais enquanto disciplina acadêmica. O surgimento dessa cátedra adveio da tentativa de se explicar por que os Estados entravam em guerra e, dessa forma, encontrar um meio de prevenir possíveis conflitos. Nesse período, apesar da já existente complexidade das relações entre os Estados, as relações internacionais se resumiam à sua dicotomia clássica: guerra x paz.
No entanto, o dinamismo das interações no além fronteiras tira dos Estados a condição de único ator, tornando mais complexo o modelo de organização moderno e dando vazão à chamada sociedade mundial contemporânea, uma configuração mais intricada e interdependente, devido principalmente à multiplicidade de atores que passam a fazer parte dela. Dentre esses novos atores, destacam-se as Organizações Internacionais não estatais, os movimentos étnico-nacionalistas e os grupos terroristas. Em consequência, os conflitos internacionais se tornam também mais implexos.
As Convenções de Genebra de 1949 definiram conflito internacional armado como qualquer controvérsia internacional “que leve à intervenção das forças armadas, mesmo que uma das Partes negue a existência do estado de guerra, [...] não importando a duração ou quanta mortandade ocorra”. Além dos conflitos armados regulares, um protocolo adicional das Convenções amplia sua definição nos quais os povos lutem contra a ocupação estrangeira ou regimes racistas.Apesar de todos os esforços empreendidos multilateralmente pela comunidade internacional, a tão sonhada paz perpétua que Immanuel Kant projetou no epílogo do século XVIII, continua sendo uma utopia. Mesmo que desde o final da Segunda Guerra Mundial não tenham ocorrido conflitos belicosos em escala mundial, muitos outros, por razões distintas e com alcances diversos, ocorreram e continuam a acontecer.Historicamente, a região conhecida como Afro-Eurásia, ponto de convergência entre três continentes, tem sido bastante sensível, seja pela localização geopolítica estratégica, pelas condições naturais peculiares, ou por ser o berço das três maiores religiões monoteístas do mundo: cristianismo, islamismo e judaísmo. Atualmente existem diversos conflitos ocorrendo no mundo, alguns com início recente e outros que persistem no tempo. Saiba mais sobre alguns deles.
MAPA – Principais zonas conflituosas na atualidade (países da Primavera Árabe em escarlate)
Em dezembro de 2010 um jovem tunisiano ateou fogo ao próprio corpo, protestando contra a corrupção policial e as condições repressoras de vida no país. Este ato culminou no movimento que passou a ser chamado de Primavera Árabe, uma referência à Primavera de Praga. Movidos pelos protestos na Tunísia, manifestações populares se estenderam por países vizinhos, como Egito, Líbia, Síria, Iêmen, Argélia e Jordânia. Em alguns destes, os protestos culminaram em guerra civil; em outros, em reformas político-legislativas; em muitos, porém, o impasse continua.1 Tunísia – Ponto de partida das primeiras manifestações da Primavera Árabe, a população tunisiana tirou do poder o então presidente Zine El Abidine Bem Ali, que renunciou ao cargo que mantinha há 23 anos. Em dezembro de 2014, a população foi às urnas, em um processo inédito em sua história, para eleger de forma livre, democrática e transparente, seu novo presidente.2 Egito – Inspirados pelas manifestações na Tunísia, os egípcios foram às ruas para pedir a derrubada do governo de Mubarak, que ocupava o poder há 30 anos. Em 18 dias de protestos na praça Tahrir (da Libertação), o regime ruiu. Dez meses depois, os confrontos ainda aconteciam nas ruas do Cairo e forças militares assumiram interinamente o governo, gerando mais uma onda de protestos. Há mais de três anos sem Parlamento, com tentativas falhas e controversas de eleições, o país continua sendo palco de uma série de instabilidades políticas.3 Líbia – O governo vem lutando para manter a ordem interna e reconstruir as instituições estatais em meio à crescente violência estabelecida desde a queda e posterior morte do ditador Muammar al-Qaddafi, em outubro de 2011. A presença de milícias rebeldes aumentou consideravelmente, incluindo combatentes leais ao ISIS (grupo terrorista Estado Islâmico), resultando num Estado instável e fragilizado.4 Iêmen – O país enfrenta uma insurgência liderada pelos Hutis, grupo rebelde xiita com ligações com o Irã. Rebeldes Hutis assumiram o controle da capital no final do ano passado e, após negociações mal sucedidas, tomaram o palácio presidencial em janeiro deste ano, levando o presidente Abd Rabbuh Mansur Hadi a renunciar e fugir para o sul do país. Posteriormente, Hadi anula sua renúncia, declarando que a decisão dos insurgentes Hutis em dissolver o parlamento e criar um novo conselho governante era ilegítima. A instabilidade política criou, no Iêmen, um vácuo de poder que passou a ser utilizado para operações da Al-Qaeda e de outros grupos terroristas e insurgentes.5 Síria – Os protestos de manifestantes populares contra o regime do presidente Bashar Al-Assad, se transformaram em uma guerra em grande escala, com repercussões negativas globais, como por exemplo o assustador número de refugiados resultantes da fragilidade política do país, abrindo espaço para atuação de grupos terroristas, como o Estado Islâmico (ISIS), que ocupa um extenso território sírio. Talvez o mais aterrorizante dos grupos terroristas da atualidade, dadas as suas estratégias e métodos de ação, o ISIS, grupo armado sunita radical, surge em um momento de crise e guerra civil na Síria e da divisão entre xiitas e sunitas no Iraque, onde militares saíram para se unir ao grupo. Suas ideias são baseadas em ódio ao Ocidente, aos xiitas, às minorias étnicas e também à Europa. Além de diversas regiões do território sírio, o ISIS também ocupa áreas no Iraque. O conflito na Síria tem atraído atenção de outros Estados, incluindo os países do Golfo, que apoiam os grupos que lutam contra Assad, e Rússia e Irã, que apoiam o governo sírio. 6 e 7 Boko Haran – Existe um conflito trágico ocorrendo na África, mais precisamente na Nigéria e em Camarões. O Boko Haram – que significa “educação ocidental é pecado” – é um grupo terrorista fundamentalista islâmico que surgiu em 2002. Como diversos grupos dessa natureza, propagavam a ideia de culpa da invasão da cultura ocidental para os males enfrentados pelo seu povo. O grupo se tornou fortemente armado e em 2009, após a morte do fundador do movimento, Mohammed Yusuf, se tornou ainda mais radical. Acrescentou-se aos seus objetivos a ideia de construção de uma república islâmica. Seus métodos são radicais, como atentados e sequestros, principalmente de mulheres, que são vendidas como escravas sexuais.8 Israel x Palestina – O conflito entre estes dois atores remonta ao final da primeira metade do século XX. Grupos sionistas, judeus fundamentalistas, incentivaram uma migração em massa visando retornar ao território considerado santo e judeu por direito, mas nesse período já ocupado por palestinos. Em 1947, em consequência de uma resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), foi feita proposta para solucionar o conflito, com a divisão do território em duas partes: uma israelense e outra palestina. Os árabes rejeitaram a proposta e aos judeus foi dado o direito de posse da terra, sendo criado em 1948 o Estado de Israel. Este novo ator internacional ampliou seus domínios para além do previsto na resolução inicial, o que gerou reações por parte de grupos palestinos que, em consequência disso e por não reconhecerem a legitimidade de Israel, buscaram reação violenta. Essa reação veio através das Intifadas (levantes), que são revoltas civis contra ações do Estado de Israel, e guerras envolvendo outros países da região. O conflito se arrasta até os dias de hoje, alternando momentos de extrema violência e de cessar fogo.9 Criméia – A faixa de terra que compõe a região entre a Ucrânia e a Rússia é, sob a ótica geopolítica, importantíssima. Foi território russo desde o século XVIII, passando a fazer parte da Ucrânia durante o regime soviético. Atualmente, após a queda do presidente ucraniano pró-Rússia, Viktor Yanukovich, e protestos e conflitos internos, um referendum foi realizado, decidindo-se pela integração da Criméia ao Estado russo em 2014. Com isso, novas manifestações são realizadas, assim como ações do Ocidente (a Rússia, por exemplo, é retirada do G8). O caso da Criméia é emblemático, pois permite visualização mais evidente das dinâmicas sistêmicas atuais das relações internacionais. A ordem internacional pode estar passando por um processo de reconfiguração, com novas lógicas geopolíticas que retomam dinâmicas de poder já conhecidas pelos estudiosos da política internacional. Com a ascensão da Rússia e da China num mundo onde Estados Unidos e Europa ainda representam grande parte do poder internacional, já há quem afirme que estamos vivendo numa Segunda Guerra Fria.Vanessa Maria de Oliveira Borges é Bacharel em Relações Internacionais, mestra em Desenvolvimento Regional e Urbano, doutoranda em Educação. Atualmente é Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Relações Internacionais do Centro Universitário Jorge Amado.Bruno de Queiroz Coqueiro é estudante do oitavo semestre do Bacharelado em Relações Internacionais do Centro Universitário Jorge Amado. Atualmente é estagiário do Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores.*Conteúdo de responsabilidade da Unijorge.
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