Da varanda de casa, Lucas tem a visão completa das obras
O bate-estaca marca, como um relógio, o ritmo do avanço nas obras da Arena Fonte Nova. Começa cedo, às 7h da manhã, e só para de martelar lá pelas nove, dez da noite, na hora da novela. A referência televisiva não é por acaso. É na hora que o trânsito diminui e a cidade aos poucos adormece que os moradores próximos do estádio mais sentem, na frente da TV, o incômodo de viver ao lado do imenso canteiro de obras. Apesar disso, o sentimento da maioria é de que a obra vai trazer benefícios para toda a área e que o pior já passou. Lucas Cedrin tem 18 anos e vive com o irmão gêmeo, Felipe, na casa de um tio, localizada na ladeira da Fonte das Pedras, em frente ao canteiro. Da varanda, ele observa o tráfego de caminhões e assiste, de camarote, o novo estádio levantar. Para o estudante de engenharia ambiental, a pior época foi a da demolição mecânica, quando "subiu muita poeira e o barulho era muito maior". Hoje, ainda tem dificuldades para assistir aos programas à noite, mas se diz acostumado. "Eu acordo, tá barulho, vou dormir, tá barulho", diz. Felipe, estudante de Engenharia Civil, conhece bem o andamento de uma obra e diz que não há como evitar a zoada. "Não tem jeito, é isso mesmo". Ele e o irmão sonham com o dia em que poderão ver o Bahia em campo na nova arena. A paixão pelo tricolor é recente. Lucas conta que só passou a torcer quando o Bahia foi jogar em Feira, onde morava, depois da tragédia que fechou o velho estádio de vez. Atualmente, enfrenta 40 minutos de ônibus para assistir aos jogos em Pituaçu e não vê a hora de poder ir para o estádio a pé. "Quero muito ver o Bahia jogar aqui", diz. Vento - Vizinha dos irmãos feirenses, Aline Souza, 21 anos, desde pequena viveu o clima dos jogos na velha Fonte. Da mesma varanda que serve de mirante, ajudava a tia a preparar cachorro-quente. O carrinho, na porta de casa, era ponto de encontro para torcedores famintos, antes e depois dos jogos. Desde que a obra começou, ela não abre mais a janela. Não só pela poeira, mas pelo vento, que ficou muito mais forte depois que o paredão de concreto foi abaixo. Certa vez, a janela ficou aberta e os quadros da parede amanheceram no chão. Enquanto assiste da porta de casa ao crescimento da obra, Aline recorda os momentos de reunião de torcedores na varanda. "Estou ansiosa pra ver o estádio pronto, tomara que deixem vender cachorro-quente na Copa". Família sofre com poeira e teme perder casa
Mima tem trabalho dobrado na limpeza por conta da poeira
Por uma dessas curiosidades que não se explicam, é na avenida Joana Angélica, que dá para o fundo da Arena Fonte Nova, que a poeira da obra incomoda mais. Enquanto os vizinhos de frente do estádio dizem que a sujeira diminuiu, na residência de Mima, dona de casa que complementa a renda cuidando de idosos, o transtorno continua. Além de se preocupar com a saúde dos idosos que abriga, ela tem trabalho dobrado na limpeza e sofre com os problemas de saúde da filha e do neto. "Os dois têm rinite", explica ela, que viu as crises se tornarem frequentes. "Antes, era só no Inverno, agora eles estão dormindo de máscara". As chuvas do último mês atenuaram a situação. "Ficou meeiro", diz. Mas, nas últimas semanas, em que o sol começou a aparecer com mais frequência, a dor de cabeça da dona de casa só aumentou. "Encardiu tudo, a roupa não fica mais branca, o piso não clareia de jeito nenhum, eu canso de esfregar. Os móveis a gente limpa de manhã e de tarde já está tudo sujo", relata, passando o dedo na mesa e na televisão para exibir o acúmulo de poeira. Ela compreende que não há como reduzir o pó e, mesmo sentindo os problemas no seu dia a dia, torce pelo sucesso do novo empreendimento. "Se for tudo isso que está na maquete, com todo esse lazer, imagine só", se empolga. Mas, a valorização esperada dos imóveis da região também tira o sono de Mima, que é inquilina do local onde vive com a família. "Eu estou com medo de perder a casa, vai valorizar muito", especula a cuidadora de idosos. Comerciantes se preparam pra faturar Enquanto os trabalhadores informais, como lavadores de carro, presença constante na ladeira da Fonte, temem ser expulsos, quem tem um negócio no entorno do estádio está rindo à toa. Nílson Silva, gerente do restaurante A Porteira, no Dique do Tororó, fatura desde o início da obra. "Só no dia da implosão foram 50 engenheiros almoçando aqui, casa lotada", lembra Nílson. Toda a equipe da casa, que vai passar por reforma, está fazendo cursos no Sebrae, de atendimento, manipulação de alimentos e língua estrangeira. O retorno, Nílson espera na Copa: "Vai ser muito lucro".