A psicanálise explica a culpa como um sentimento emocional que está intimamente relacionado ao remorso e ocorre quando uma pessoa acredita, ou percebe que comprometeu seus próprios padrões de conduta, ou violou os padrões morais universais, e tem responsabilidade significativa por essa violação. É um sentimento que todo mundo já experimentou em algum momento na vida, de diferentes formas.
Porém, quando exagerado pode desencadear pensamentos não funcionais e paralisar a vida da pessoa. De acordo com a psicóloga e psicoterapeuta Sonia Nogueira Pedreira, diretora de Ética da UNAT (União Nacional de Analistas Transacionais) e coautora do livro “Como ser firme sem ser agressivo: os 10 passos para a Assertividade”, de forma exagerada o sentimento de culpa pode levar a sérios prejuízos físicos, emocionais e de relacionamentos. “Ninguém nasce com sentimento de culpa. Ele é construído socialmente, e surge da relação com outras pessoas e seres vivos, e está ligado ao desejo de ser perfeito. No processo educacional a culpa é usada com finalidade manipulativa e tem reflexos em todos os âmbitos da vida”, esclarece.
Foto: reprodução / Revista ABM
É possível lidar com o sentimento de culpa?
A psicóloga explica que o sentimento de culpa pode trazer algo de positivo, desde que venha acompanhado de algum aprendizado. Mas para isso é preciso enfrentar os desafios, os medos, assumir a responsabilidade (em lugar do peso da culpa) e se permitir viver plenamente e desfrutar do bem-estar. “A maneira como pensamos sobre nós, os outros, a vida e o mundo acaba por tornar-se um hábito, por vezes, traduzido como traços da personalidade”, esclarece a psicoterapeuta.
Ela acredita que, através da adoção de novos pensamentos e comportamentos todos somos capazes de mudar crenças (disfuncionais) e transformar velhos hábitos e o jeito como enxergamos a nós, o mundo, melhorando muito os relacionamos. Ela sugere algumas ideias, mas cada pessoa pode criar suas próprias opções:
• Busque identificar a decorrência da culpa: Quais pensamentos surgem? Em que situações? Como reage a eles? Quais as consequências? Isto vai permitir a ativação e a capacidade de pensar com lógica, conseguindo avaliar a situação e as probabilidades;
• Não transfira a culpa para os demais. Assuma a responsabilidade que lhe cabe e busque soluções;
• Permita-se sentir tristeza pelo erro cometido, mas evite que o pessimismo se instale;
• Desenvolva empatia para com o outro e para si mesmo;
• Mantenha sua autoconfiança e busque ser otimista realista;
• Corte diálogos de autocrítica negativa – poupando seu corpo de reagir com perda de energia;
• Aprenda e lidar com o erro como algo da condição humana, não com impaciência. Veja como uma oportunidade de crescer e de estar atento para evitar outros deslizes no futuro;
• Peça perdão ou desculpa com sinceridade e comprometa-se a mudar a sua atitude. Desenvolva ações para resolver o problema;
• Busque ajuda de um profissional especializado sempre que for necessário
Quando se torna preocupante
Torna-se preocupante quando não conseguimos administrar o sentimento de culpa, entrando num ciclo frequente de negatividade, prejudicando a chance de nos conhecer melhor, de nos desenvolver e de aprender com o erro cometido. “A pessoa fica pensando o tempo todo no ocorrido, e quanto mais fica remoendo, mais aprisionado fica nesse círculo vicioso, mais sente raiva dela mesma ou da situação, sente culpa, vergonha e remorso e, consequentemente, termina por paralisar-se”, alerta a psicóloga.
Sinais e sintomas
Não é regra, mas geralmente a pessoa que sente culpa se queixa de:
• Remorsos
• Diálogos internos de autoacusação, e se vê como uma pessoa indigna
• Insônia, pavor noturno, pesadelos
• Mau humor, ansiedade, angústia
Também podem ocorrer sintomas psicossomáticos que afetam o sistema digestivo, cardiorrespiratório e a pele.
Já os sinais clínicos mais comuns são batimento descompassado do coração, alterações da pressão arterial, quadro de psoríase, dermatites, herpes etc.
E pode haver sinais comportamentais: comprar, comer e beber de forma compulsiva, sedentarismo, agitação, autossabotagem, pensamentos e comportamentos autodestrutivos (automutilação e até mesmo ideação de suicídio), e ocorrência de acidentes evitáveis (por imprudência, Imperícia ou negligência).
Foto: reprodução / Revista ABM
Quando procurar ajuda
O momento ideal para procurar ajuda é quando a culpa é desproporcional aos acontecimentos, é persistente, interferindo na vida familiar, social, acadêmica e/ou profissional, afetando a autoestima e a saúde.
No caso de muita dor emocional, onde a culpa pode paralisar, desencadear comportamentos agressivos, de autossabotagem e até mesmo autodestrutivos, é indispensável o auxílio de um profissional especializado, “com orientação adequada para converter tudo isso em um processo de aprendizado e de novas perspectivas”, esclarece a psicóloga.
Tem origem na infância
Segundo a psicoterapeuta, o sentimento de culpa é desenvolvido a partir das relações que estabelecemos na infância com pais, professores, cuidadores, irmãos, amigos e outras pessoas que convivemos. Enquanto somos crianças, e totalmente dependentes de adultos, vivemos a necessidade de cumprir com as expectativas delas. E o modo como cometemos os erros na infância (por vezes, naturais para a idade) é vivenciado e vai influenciar nossa personalidade, e o modo como lidaremos com a culpa.
Se for aceito como próprio da idade, e estimulado a ser corrigido, tende a ser aceito e promover a superação e mudança de padrão. Do contrário, se for vivenciado de modo traumático, desrespeitoso, agressivo e repetitivo, pode nos levar a acreditar que nós é que somos errados, e gerar sentimentos negativos de fracasso. “Dessa forma, provavelmente vamos lidar com a culpa de modo inadequado, que será incorporado ao nosso sistema de crenças disfuncionais e limitantes”, revela a psicoterapeuta.
O perfil é feminino
Segundo um estudo da Universidade de Reading (Inglaterra) as mulheres tendem a se sentir mais culpadas que os homens e, de acordo com a psicóloga, isso é fácil de entender, levando em consideração o processo social no qual ainda cabe muito mais às mulheres a educação doméstica e orientação dos filhos, além de cada vez mais as mulheres estarem inseridas e convocadas a assumir novos papeis profissionais para a manutenção das despesas familiares. “Quantas mães se sentem culpadas ao se darem conta de que os filhos estão crescendo e não conseguem acompanhar este momento por conta de afazeres que precisam assumir?”.
Outro aspecto que denuncia o perfil feminino no sentimento de culpa se reflete nos inúmeros casos clínicos de mulheres que sofreram abuso sexual e ainda acreditam que foram as culpadas e merecedoras de tal situação. “Sem contar os outros tipos de abuso sofridos por elas, quando vão buscar ajuda e, em lugar disso, são desrespeitadas e não acolhidas”, reforça.
RESPONSABILIDADE ou SENTIMENTO DE CULPA
A psicóloga esclarece que a culpa sentida quando somos criança é uma emoção negativa, derivada do medo aprendido. Já a responsabilidade, uma vez processada quando somos adultos, é uma alternativa que promove emoções positivas, nos levando a sentir ativo, empático, potente e motivado para oferecer uma justa compensação pelo dano causado. “Isto propicia um melhor discernimento do que é sua responsabilidade ou não, o que pode e o que não poder ser feito, e uma maior aceitação das próprias limitações diante da vida”.
De acordo com ela, é preocupante quando, seja por insegurança, medo de errar, de se sentir vulnerável ou de desagradar e ser rejeitado, não conseguimos assumir a responsabilidade por nossos atos e projetamos a culpa nos outros ou na situação, encontrando assim a “boa justificativa” para continuar atuando do mesmo modo. “Quase sempre se trata de pessoas projetivas, inseguras, ainda que não demonstrem, e com baixa autoestima”.
Livros que ajudam
A psicóloga indica três livros que ela considera positivos para entendimento e aplicação das dicas e orientações que os autores compartilham:
“Antes de partir: Os 5 principais arrependimentos que as pessoas têm antes de morrer”, best seller da escritora australiana Bronie Ware; “As cinco linguagens do perdão” de Gary Chapman e Jennifer M. Thomas; e “Como ser firme sem ser agressivo: os 10 passos para a Assertividade” (2019), último lançamento dos autores Antônio Pedreira e Sonia Nogueira Pedreira.
Sonia Nogueira Pedreira – CRP 03/4392
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